Gerenciamento
Design e engajamento em tempos de guerra
<first>O<first> papel de Design Managers pode ser resumido da seguinte forma: amplificar o impacto de Design através dos resultados da equipe. Na prática essa função envolve uma série de atividades, como definir um parâmetro de qualidade para execução, traduzir o contexto estratégico da empresa para o time, criar uma visão para evoluir o produto e apoiar o desenvolvimento individual de cada integrante. Mas para que tudo isso se desenvolva, há um manejo fundamental que cabe ao gestor: manter o time engajado, de forma estável, ao longo do tempo. Sem esse cuidado, todas as outras atribuições podem se tornar irrelevantes.
As empresas de tecnologia, quase sem exceções, passaram por instabilidades devido às mudanças macroeconômicas a partir de 2022. A expressão “War Time” se tornou familiar para definir um ciclo de inflação alta e pouco acesso a investimentos. Esse momento apresentou desafios significativos para a liderança em Design. A retração e as contínuas reestruturações de equipes tiveram grande influência na motivação de times. Nesse período, pesquisas internas para medir engajamento se tornaram ferramentas úteis, apoiando a gestão. Elas forneceram dados tangíveis para avaliar o efeito dessas mudanças no dia-a-dia da empresa.
Entendendo o contexto externo
É inviável discutir engajamento em times de Design de 2023 a 2025 sem uma análise do que aconteceu nos anos anteriores. Entre 2016 e 2020, o mercado viveu uma tendência de baixa inflação e maior acesso a capital de risco [1]. Durante esse período, houve um ciclo intenso de amadurecimento de startups. Com mais recursos e um estímulo urgente para estruturar times, gestores em Design enfrentaram os desafios dos processos de contratação. A pandemia, a digitalização de serviços e abertura ao trabalho remoto apenas acentuaram a competição por talento e a busca por crescimento acelerado – num primeiro momento.
Corte a cena, acelere para 2022. Uma mudança brusca aconteceu. Com o início da guerra da Ucrânia e os efeitos inflacionários da pandemia, um ciclo de instabilidade se inicia para empresas de tecnologia. Investidores, antes com grande apetite para risco, se tornam cautelosos em meio à instabilidade. Startups, em especial as mais dependentes de capital, se veem em uma posição vulnerável. Gestores, por sua vez, assumem o papel invertido: em vez de contratar, agora precisam reestruturar suas equipes para redução de custos. E na prática, reestruturar foi um sinônimo para desligamentos e layoffs.
Na Alice não foi diferente. Estávamos vivendo um momento muito positivo até o final de 2021. Em Dezembro daquele ano, foi concluída a terceira rodada de captação de investimentos – Series C: R$ 728 milhões. Esse aporte permitiu que a Alice montasse um plano de expansão para múltiplos times e squads. Isso impactou também a estrutura de Design, com um crescimento veloz para ampliação do serviço dentro do mercado B2B. Porém, a partir de 2022, com as mudanças no cenário econômico, atravessamos um inevitável ciclo de reestruturação. Essa intrincada transição influenciou diretamente a dinâmica e engajamento da equipe.
Medindo engajamento na Alice
A Alice utiliza uma pesquisa de engajamento, que roda a cada 3 meses como um dos principais termômetros para entender a motivação dos colaboradores. Ela é aplicada através de um questionário com múltiplos critérios, como reconhecimento, confiança, remuneração, equilíbrio e impacto. A partir das respostas, a pesquisa gera uma nota entre 0 e 100. Esse é um indicador objetivo, de fácil comunicação, para avaliar o momento de cada time. Além disso, essa visão quantitativa permite a comparação simples entre diferentes áreas e a visão geral da Alice em relação a outras empresas, com características similares.
Como efeito da instabilidade econômica, observamos uma queda acentuada no nível de engajamento das pessoas em Design – dentro das tribos de Revenue e Insurance. Chegamos ao nosso resultado mais baixo em Janeiro de 2024, com uma perspectiva incerta sobre próximos passos. Nossa hipótese inicial foi que as contínuas mudanças na estrutura abalaram o senso de identidade do grupo. Nesse momento, essa pauta se tornou urgente para nós, Design Managers. Dentro de um contexto de War Time, como reconquistar a motivação do grupo e reverter esse número?
Um processo de Design para engajamento
À primeira vista, nossa meta poderia ser lida simplesmente de um ângulo quantitativo: reverter o resultado da pesquisa. Porém, no fórum entre Design Managers entendemos que essa solução seria incompleta e até superficial. A questão-chave era definitivamente mais profunda: como garantir comprometimento genuíno e segurança emocional, em vez de, inadvertidamente, incentivar uma “performance” de motivação? [2] Para gestores com orientações e perfis diferentes, esse foi um aprendizado mútuo; uma experiência singular. Atuar em parceria com uma gestora mulher foi particularmente importante para mim nesse momento, por me ajudar a construir uma visão mais diversa e holística sobre o problema.
Nesse caminho, tentamos enfatizar a compreensão contextual como base para analisar engajamento – especialmente num período de insegurança no emprego. Na nossa visão, o nível de motivação não poderia ser visto como algo isolado que acontece a cada 3 meses – e sim, como o resultado de atividades que foram discutidas e trabalhadas durante esses intervalos. O número não deveria ser um fim em si, mas um parâmetro para ações que buscassem melhorar a experiência das pessoas no time. Para isso, definimos um processo de Design mais amplo para discutir e promover um maior engajamento de designers.
Ao trabalhar com as tribos de Revenue e Insurance, apoiei minha abordagem em 3 experimentos: aprofundamento qualitativo, business literacy e Design Principles. E a partir dessas atividades, acompanhei com os outros Managers a evolução dos dados gerais de engajamento ao longo do tempo.
Aprofundamento qualitativo
É natural que dentro de um contexto de instabilidade econômica e insegurança, as pessoas não se sintam confortáveis para se abrir de forma espontânea. Isso torna a leitura sobre engajamento mais opaca. Por isso, foi importante buscar espaços seguros, mais intimistas, onde o time ficasse à vontade para expôr os pontos críticos. Com essa visão em mente, rodamos um primeiro exercício: workshops com grupos menores para uma discussão aberta sobre o resultado da pesquisa. Essas sessões foram mantidas mensalmente, criando um ciclo contínuo de feedback que preenchia o intervalo trimestral do questionário.
Os encontros giravam em torno de cinco questões principais: (a) como você descreveria o clima da equipe atualmente?, (b) há algo que você gostaria de dizer, mas não teve oportunidade antes?, (c) o que seria mais importante priorizar agora para o bem-estar do time?, (d) que tipo de apoio ou recurso é mais útil para você neste momento?, (e) como você descreveria um time seguro e engajado em uma frase? Em paralelo a isso, pedimos para cada membro preencher um mapa de energia criativa – indicando as atividades onde encontrava maior propósito e flow, e a frequência com que elas eram realizadas [3].
Ao aprofundar o contexto de forma intencional, com mais tempo e proximidade, esses métodos ajudaram a levantar os porquês (qualitativo) para complementar a nota geral (quantitativo). De um ponto de vista mais abrangente, os exercícios também possibilitaram uma construção coletiva de vulnerabilidade; ou seja, a coragem para se abrir em conversas honestas, numa fase de poucas certezas [4]. Nesse processo, buscamos observar como as ações fortaleceriam as relações na equipe, aumentando a resiliência e impactando a percepção global sobre engajamento.
Business literacy
A Alice usa uma política singular de transparência. Mensalmente, a equipe que monitora os resultados financeiros (P&L) reúne a liderança da empresa – incluindo Design Managers – para mostrar de forma detalhada os dados do mês anterior. Nesse encontro, são abordados itens como: receita, crescimento, custos, margem, runway e burn mensal (de caixa). Esse nível de abertura é uma característica corajosa de uma companhia. O objetivo é duplo: primeiro comunicar a saúde do negócio, e o segundo, permitir que cada Manager tenha contexto suficiente para liderar e difundir essa mensagem para seus próprios liderados.
Como gestores de Design, nossa missão foi traduzir essa informação de forma didática e acessível. Isso permitiu nivelar o conhecimento entre designers com backgrounds distintos e tempos de empresa variados. Utilizamos um formato simples: os 7 tópicos principais que o time precisava ter em mente para entender o momento da Alice naquele mês. Da mesma forma, buscamos apresentar os números com analogias práticas para facilitar o entendimento da equipe. Por exemplo, ao destrinchar custos de aquisição e conceitos como CAC, SQL, CPL, usamos exemplos do dia-a-dia do time, como a compra de um produto online.
Em períodos de instabilidade, é natural que exista uma predisposição para uma positividade artificial – pelo receio em desmotivar o grupo. Porém, foi importante encarar esse medo e comunicar os resultados como eles realmente eram [ 5 ]. O que notamos foi que, utilizando uma linguagem transparente e descomplicada, o time se sentia mais seguro em fazer perguntas e aprofundar o conhecimento. Nas conversas, avaliamos se a clareza nos números reduziria especulações, ajudaria a contextualizar decisões difíceis e traria um senso de responsabilidade coletiva. Esse processo também serviu para aproximar os gestores de Design dos líderes de áreas financeiras da Alice.
O valor completo da pesquisa está em usá-la como ponto de partida — não como fim. Ela deve abrir espaço para conversas reais e leituras amplas do contexto.

Design Principles
Em 2022, durante o período de crescimento do time, conduzimos sessões de co-criação para definir Design Principles. Aproveitamos a chegada de novos integrantes, com ideias frescas e diversas, para construir uma visão compartilhada do Chapter de Design. O material serviria como guia para ser usado no dia a dia por qualquer pessoa da equipe. Através desse exercício, foram definidos cinco conceitos: criar o novo, acolher, fazer junto, encantar e ser resolutivo. Como gestores, observamos como essa abordagem apoiaria a coesão e a resiliência do time diante das reestruturações e flutuação de colaboradores.
Os princípios foram validados em encontros semanais de Design. As equipes eram responsáveis por apresentar a evolução do trabalho nas diferentes tribos da Alice. Além de exibir interfaces, os apresentadores deveriam conectar sua iniciativa com o princípio mais explícito usado na solução. Esse processo trouxe visibilidade para o trabalho de cada Designer, servindo como uma vitrine para divulgar e celebrar conquistas. Essa prática se conectava diretamente com um critério importante da pesquisa de engajamento: o reconhecimento – a sensação de que minhas entregas são valorizadas.
Em particular, também avaliamos se “ser resolutivo” teria um efeito específico em War Time. Esse princípio se relacionava com a ideia de “impacto”; em outras palavras, sinto que o meu trabalho gera muito valor e contribui para o sucesso da Alice. Um exemplo prático: o time responsável em melhorar a experiência de RHs clientes da Alice, usava um único indicador (CES) como input para melhorias no Portal de gestão do plano. Como evolução, o time priorizou um conjunto maior de métricas para monitorar o uso do produto e embasar o roadmap com mais objetividade. Na apresentação semanal para o Chapter de Design, o princípio de resolutividade foi usado para contextualizar essa decisão.
Mesmo com as constantes mudanças de estrutura, os cinco princípios definidos em 2022 permaneceram como referência, entre 2023 e 2024. Analisamos quais deles apareciam com mais frequência nas apresentações e se, de fato, eram relevantes. Também questionamos se eles fortaleceriam a perspectiva unificada do time ao vincular as distintas iniciativas com conceitos compartilhados. Nossa hipótese era: sim, rituais têm poder. [ 6 ]
Engajamento como fenômeno coletivo
Ao olhar a curva de evolução do engajamento em Design, dois pensamentos conflitantes são necessários. Por um lado, nossa capacidade de reverter uma queda brusca do indicador; por outro, o possível efeito de uma demonstração de engajamento versus o sentimento real – numa época de insegurança. Ainda assim, acredito que esse dado foi um catalisador para aproximar o time. Ele me estimulou a observar um problema complexo através de uma ótica contextual e sistêmica, e não meramente quantitativa e individual. Em um momento ímpar de War Time, esse processo nos permitiu continuar como um grupo resiliente e flexível.
Qual a função de um Design Manager nos próximos anos? Numa reflexão sobre o progresso da disciplina de Design, esse exercício pode oferecer ideias úteis para outros gestores. Na Alice, conseguimos aprofundar questões humanas ao atravessar momentos de extrema instabilidade. No presente e futuro próximo, com a introdução de inteligência artificial na dinâmica dos times, novas variáveis impactarão o engajamento das pessoas. Ao entender a motivação de uma equipe como um fenômeno multifacetado, construído dentro de um contexto sócio-econômico amplo, Design Managers estarão melhor preparados para liderar num cenário de incertezas.
Referências
1. BC eleva Selic em 0,25 ponto, a 15% ao ano. Folha de São Paulo (2025)
2. The repressive politics of emotional intelligence. Merve Emre, The New Yorker (2021)
3. Creative energy worksheet. Dropbox (2019)
4. Dare to lead. Brené Brown, Random House (2018)
5. The hard thing about hard things. Ben Horowitz, Harper Business (2014)
6. The making of a manager. Julie Zhuo, Portfolio (2019)



